A Aplicação dos Tratados e Convenções Internacionais no Direito Brasileiro
Introdução
A crescente interconexão global tem demandado dos Estados modernos uma maior harmonização e cooperação jurídica internacional. Nesse contexto, os tratados e convenções internacionais ocupam papel central na configuração do ordenamento jurídico, refletindo o compromisso dos Estados com a promoção dos direitos humanos, do comércio, do meio ambiente e de diversas outras áreas.
No Brasil, a incorporação desses instrumentos no ordenamento interno é objeto de intenso debate doutrinário e jurisprudencial, o que requer uma análise crítica dos mecanismos de aplicação e dos desafios que se impõem à efetividade desses instrumentos. Este artigo tem por objetivo examinar a aplicação dos tratados e convenções internacionais no direito brasileiro, à luz da doutrina nacional e internacional comparada, e demonstrar, por meio de decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como essa dinâmica tem se desenvolvido na prática.
1. Fundamentação Teórica: Monismo, Dualismo e o Status dos Tratados Internacionais
1.1. Paradigmas Teóricos: Monismo versus Dualismo
A discussão sobre a aplicação dos tratados internacionais no direito interno tem sido historicamente pautada pela tensão entre as teorias monista e dualista. Na abordagem monista, os tratados internacionais integram, de imediato, o ordenamento jurídico interno, sem necessidade de incorporação legislativa adicional.
Em contrapartida, a teoria dualista defende que o direito internacional e o direito interno são sistemas jurídicos autônomos, exigindo a aprovação legislativa para que os tratados possam produzir efeitos no âmbito doméstico.
Autores como Ingo Wolfgang Sarlet defendem uma posição híbrida, enfatizando que “a Constituição de 1988 adota um viés monista moderado, ao conferir aos tratados internacionais status de norma constitucional, desde que aprovados com quórum qualificado” (SARLET, 2017).
Por sua vez, José Afonso da Silva ressalta que “a incorporação dos tratados ao direito interno demanda um processo de ‘transformação legislativa’ que, embora formal, não diminui o compromisso do Estado com as obrigações internacionais assumidas” (SILVA, 2018).
1.2. A Hierarquia dos Tratados no Ordenamento Brasileiro
Conforme a Constituição Federal de 1988, os tratados e convenções internacionais aprovados em conjunto pelo Congresso Nacional, quando incorporados ao ordenamento jurídico, possuem status supralegal e, em alguns casos, até status constitucional – especialmente os tratados de direitos humanos ratificados com cláusula constitucional.
Esse entendimento tem sido reiterado tanto na doutrina nacional quanto na jurisprudência dos tribunais superiores, que ressaltam a necessidade de se respeitar os compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro.
Flávio Tartuce afirma que “os tratados internacionais, uma vez incorporados ao ordenamento jurídico, integram o bloco de normas que condiciona a atuação estatal e privada, impondo limites e diretrizes que se sobrepõem à legislação infraconstitucional” (TARTUCE, 2020).
2. A Aplicação Prática dos Tratados e Convenções Internacionais no Brasil
2.1. Mecanismos de Incorporação e Efetividade
No Brasil, o processo de incorporação dos tratados internacionais ocorre por meio da aprovação legislativa – normalmente com quórum qualificado – e da promulgação pelo Poder Executivo, conforme previsto na Constituição. Após esse procedimento, os tratados passam a ter eficácia imediata, estando aptos a ser invocados em decisões judiciais e na formulação de políticas públicas.
A doutrina internacional comparada destaca que, em sistemas monistas, os tratados gozam de eficácia direta e imediata, como ocorre, por exemplo, na República Federal da Alemanha, onde os tratados são automaticamente integrados ao direito interno e possuem força vinculante perante os tribunais (VAGTS, 2019). Essa perspectiva contrasta com a abordagem dualista predominante em outros países, onde a necessidade de transformação legislativa pode atrasar a aplicação prática dos compromissos internacionais.