A Função Social do Contrato: Princípios, Aplicação e Reflexões Doutrinárias
A Função Social do Contrato é um dos princípios mais relevantes do Direito Contratual moderno, responsável por equilibrar a autonomia privada com interesses coletivos e a justiça social. Mais do que um princípio abstrato, sua aplicação prática tem transformado as relações contratuais no Brasil, exigindo que os contratos cumpram não apenas os interesses das partes diretamente envolvidas, mas também respeitem valores sociais e econômicos mais amplos.
Neste artigo, abordaremos o conceito, fundamentos jurídicos, principais doutrinas e jurisprudência atualizada sobre a Função Social do Contrato, oferecendo uma análise clara e prática voltada para advogados e estudantes de Direito.
1. O que é a Função Social do Contrato?
A Função Social do Contrato estabelece que os contratos não devem atender exclusivamente aos interesses privados das partes, mas também considerar os efeitos que produzem na sociedade. Esse princípio reflete a transição de uma perspectiva puramente liberal-individualista para um modelo social-solidário no Direito Contratual.
1.1 Previsão Legal
- Art. 421 do Código Civil Brasileiro:
“A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”
- Art. 2035, parágrafo único, do Código Civil:
“A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.”
Esses dispositivos deixam claro que nenhuma cláusula contratual pode contrariar ou violar valores sociais essenciais, mesmo que haja concordância mútua das partes.
1.2 Função Social como Limite à Autonomia Privada
A autonomia privada continua sendo um pilar do Direito Contratual, mas ela não é absoluta. A função social atua como um limitador, impondo que a liberdade de contratar respeite valores como boa-fé objetiva, justiça contratual e equilíbrio econômico-social.
2. Fundamentos Doutrinários sobre a Função Social do Contrato
2.1 Miguel Reale
Miguel Reale, um dos principais autores do Código Civil de 2002, afirmou que:
“O contrato, enquanto ato jurídico bilateral, deve ser compreendido em sua dimensão social, não podendo ser utilizado como instrumento de injustiça ou desigualdade.”
- Reale, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 2022.
2.2 Orlando Gomes
Para Orlando Gomes, a função social não retira a eficácia dos contratos, mas lhes atribui uma finalidade ética.
“A função social impõe que os interesses privados das partes contratantes não se sobreponham ao bem-estar coletivo.”
- Gomes, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2023.
2.3 Clóvis Beviláqua
O autor já destacava a importância do equilíbrio entre os interesses das partes e os impactos sociais dos contratos:
“O contrato deve refletir não apenas o pacto entre as partes, mas também a harmonia com o interesse social que o envolve.”
- Beviláqua, Clóvis. Código Civil Comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2022.
2.4 Judith Martins-Costa
A autora enfatiza que a função social não pode ser utilizada como um instrumento arbitrário, mas deve respeitar a essência dos contratos:
“A função social do contrato opera como limite externo à autonomia privada, sem descaracterizá-la.”
- Martins-Costa, Judith. A Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo: RT, 2022.
3. Princípios Relacionados à Função Social do Contrato
3.1 Princípio da Boa-Fé Objetiva (Art. 422 do CC)
As partes devem agir com lealdade, transparência e cooperação em todas as fases do contrato: formação, execução e conclusão.
3.2 Equilíbrio Contratual (Princípio da Onerosidade Excessiva – Art. 478 do CC)
Um contrato que imponha obrigações excessivamente onerosas a uma das partes, em prejuízo desproporcional, pode ser revisto ou até anulado.
3.3 Proibição do Enriquecimento Sem Causa (Art. 884 do CC)
Nenhuma das partes pode se beneficiar indevidamente às custas da outra, especialmente em detrimento de sua vulnerabilidade.
4. Jurisprudência sobre Função Social do Contrato
4.1 STJ – REsp nº 1.573.366/SP
O Superior Tribunal de Justiça decidiu que uma cláusula abusiva em contrato de adesão não pode prevalecer, mesmo que haja concordância expressa do consumidor, quando fere a função social do contrato.
4.2 STJ – REsp nº 1.189.050/SP
Em contratos imobiliários, o STJ reafirmou que cláusulas que impõem obrigações desproporcionais ao comprador, mesmo que expressamente aceitas, violam a função social do contrato.