A Teoria do Adimplemento Substancial: Conceito, Aplicação e Reflexões Doutrinárias
A Teoria do Adimplemento Substancial é um importante instituto jurídico aplicado no Direito Contratual brasileiro, que visa proteger o equilíbrio nas relações contratuais e evitar abusos decorrentes da resolução de contratos quando a parte devedora já cumpriu substancialmente suas obrigações. Essa teoria se fundamenta nos princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e do equilíbrio contratual, proporcionando soluções mais justas em casos de descumprimento parcial de obrigações.
Neste artigo, analisaremos os principais aspectos dessa teoria, seu fundamento jurídico, aplicação prática, reflexões doutrinárias e entendimentos jurisprudenciais relevantes, oferecendo uma abordagem clara e didática para advogados e estudantes de Direito.
1. O que é a Teoria do Adimplemento Substancial?
A Teoria do Adimplemento Substancial estabelece que, quando o devedor já tiver cumprido a maior parte das suas obrigações contratuais, o credor não poderá resolver o contrato, mas deverá buscar outros meios para garantir o cumprimento integral, como a cobrança do saldo devedor ou a aplicação de sanções alternativas.
1.1 Fundamento da Teoria
A teoria tem como base os seguintes princípios:
- Boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil): As partes devem agir com lealdade e confiança mútua.
- Função Social do Contrato (art. 421 do Código Civil): O contrato deve ser cumprido de forma a garantir equilíbrio e justiça social.
- Proporcionalidade e Razoabilidade: A resolução do contrato não pode ser utilizada de forma desproporcional quando o adimplemento já é substancial.
1.2 Finalidade da Teoria
- Evitar Enriquecimento Sem Causa: O credor não pode obter vantagem indevida com a resolução de um contrato quase integralmente cumprido.
- Equilíbrio Contratual: Proteção do devedor que já cumpriu boa parte de suas obrigações.
- Preservação do Contrato: Preferência por soluções que mantenham a eficácia do vínculo contratual.
2. Requisitos para a Aplicação da Teoria
Para que a Teoria do Adimplemento Substancial possa ser aplicada, devem estar presentes os seguintes requisitos:
- Cumprimento Considerável das Obrigações: A maior parte do contrato deve ter sido cumprida pelo devedor.
- Inadimplemento de Baixa Relevância: O inadimplemento deve ser de pequena monta e não comprometer a finalidade principal do contrato.
- Boa-fé do Devedor: Não deve haver indícios de má-fé ou dolo por parte do devedor.
- Ausência de Prejuízo Significativo ao Credor: O descumprimento parcial não pode representar um prejuízo desproporcional ao credor.
3. Base Legal e Doutrina Aplicável
Embora o Código Civil brasileiro (Lei nº 10.406/2002) não trate expressamente da teoria, ela pode ser extraída de diversos dispositivos e princípios:
- Artigo 421 (Função Social do Contrato)
- Artigo 422 (Boa-fé Objetiva)
- Artigo 475 (Resolução do Contrato por Inexecução Voluntária)
3.1 Orlando Gomes
Orlando Gomes foi um dos primeiros doutrinadores a abordar o adimplemento substancial no Brasil, defendendo que a resolução do contrato somente pode ser buscada quando o inadimplemento é grave o suficiente para frustrar sua finalidade essencial.
- Gomes, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2022.
3.2 Clóvis Beviláqua
O autor já indicava, em sua obra clássica, que a resolução do contrato deve ser medida com cautela, evitando-se sanções desproporcionais a pequenos inadimplementos.
- Beviláqua, Clóvis. Código Civil Comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2022.
3.3 Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho
Os autores enfatizam que a teoria deve ser aplicada com base na razoabilidade, analisando cada caso concreto para evitar decisões injustas.
- Stolze, Pablo; Pamplona Filho, Rodolfo. Manual de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2023.
4. Jurisprudência sobre o Adimplemento Substancial
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem sido firme no sentido de aplicar a teoria quando o inadimplemento for mínimo e não justificar a resolução do contrato.
4.1 REsp 1.622.555/SP
O STJ decidiu que, em contratos de financiamento imobiliário, quando mais de 80% das parcelas foram quitadas, não é cabível a retomada do imóvel pelo credor. A solução mais adequada seria a cobrança do saldo devedor.
4.2 REsp 1.300.418/RS
Em contrato de compra e venda de veículos, o STJ considerou abusiva a retomada do bem quando o comprador havia quitado mais de 90% do valor total.