Decisão Surpresa no Direito do Trabalho: Anulação por Violação do Contraditório e da Ampla Defesa
Introdução
O devido processo legal, com o respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa, é pedra angular do sistema jurídico brasileiro, especialmente no Direito do Trabalho, onde a proteção dos direitos dos trabalhadores e a segurança jurídica são garantidas por normas constitucionais e legais.
Recentemente, a Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) anulou uma decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (MS) sob o argumento de que a decisão impugnada fundamentou-se em elementos não debatidos no processo – o que ficou conhecido como “decisão surpresa”.
Essa prática viola os princípios do contraditório e da ampla defesa, pois impede que as partes se manifestem sobre fundamentos novos, comprometendo a legitimidade do provimento jurisdicional.
Este artigo tem por objetivo analisar essa decisão do TST à luz da doutrina nacional e internacional comparada, bem como demonstrar, por meio de jurisprudência recente do TST e do Supremo Tribunal Federal (STF), a imperiosa necessidade de respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa no processo trabalhista.
1. A Decisão Surpresa e os Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa
1.1. Fundamentos Constitucionais
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, incisos LIV e LV, garante que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” e que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa”. No âmbito do Direito do Trabalho, esses princípios assumem relevância especial, tendo em vista a proteção do hipossuficiente e a necessidade de assegurar um equilíbrio efetivo na relação entre empregado e empregador.
A “decisão surpresa” caracteriza-se pela introdução, no momento decisório, de fundamentos que não foram objeto de debate processual, fato que impede a parte de exercer seu direito de contestar ou de se manifestar sobre tais argumentos, violando o devido processo legal.
1.2. Doutrina Nacional
Autores consagrados na doutrina trabalhista e processual, como Amauri Mascaro Nascimento e Mauricio Godinho Delgado, afirmam que “o respeito ao contraditório e à ampla defesa não pode ser relativizado por uma eventual surpresa interpretativa no decisum, sob pena de macular o provimento judicial de nulidade” (NASCIMENTO, 2019; DELGADO, 2018). Segundo esses doutrinadores, a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões dependem, fundamentalmente, de um processo em que todas as alegações e argumentos relevantes tenham sido oportunamente debatidos e decididos.
Ademais Art. 10 do Código de Processo Civil estabelece que: “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.”
1.3. Perspectiva Internacional Comparada
No cenário internacional, o princípio do devido processo legal é igualmente protegido. Por exemplo, no sistema norte-americano, a garantia do “due process” (devido processo legal) exige que todas as partes tenham conhecimento dos elementos que fundamentam a decisão judicial, permitindo-lhes apresentar contrarrazões (see Mathews v. Eldridge, 424 U.S. 319 (1976)).
Da mesma forma, na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, a violação do direito ao contraditório tem sido reiteradamente condenada como incompatível com o regime democrático, conforme expresso no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.