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Mediação e conciliação

Mediação e conciliação

Conciliação e mediação são dois termos que sempre são utilizados nas teorias que tratam dos métodos de enfrentamento de conflitos que aqui chamamos de autocomposição mediada. A palavra mediação acentua o fato de que a autocomposição não é direta, mas que existe um terceiro que fica “no meio” das partes conflitantes e que atua de forma imparcial. A palavra conciliação acentua o objetivo típico desse terceiro, que busca promover o diálogo e o consenso. Assim, para o senso comum, não pareceria estranha a idéia de que o mediador tem como objetivo promover a conciliação, havendo mesmo muitos autores tanto brasileiros como estrangeiros que tratam esses termos como sinônimos[19]. Porém, na tentativa de acentuar as diferenças existentes entre as várias possibilidades de autocomposição mediada, são vários os autores que buscam diferenciar conciliação de mediação, ligando significados diversos a esses termos.[20]

Nessa busca, dois são os grandes critérios em torno dos quais giram as tentativas de classificação: o modo de atuação do terceiro imparcial e o tipo de conflito envolvido. Assim, os autores que se concentram no primeiro critério tendem a considerar que o mediador atua simplesmente como facilitador nas negociações, enquanto o conciliador adota uma postura mais ativa, podendo inclusive propor alternativas[21] ou exatamente o contrário, afirmando que o papel do conciliador limita-se a induzir as partes a “envolver-se ativamente na resolução do problema”[22]. Já os teóricos que se concentram no segundo critério tendem a afirmar que a mediação está ligada a conflitos mais amplos (que chamamos neste trabalho de multidimensionais ou de múltiplos vínculos), enquanto a conciliação está ligada a conflitos mais restritos (que chamamos de unidimensionais ou de vínculo único).

Embora essas distinções sejam aparentemente coerentes entre si, não é possível harmonizá-las, pois um terceiro que atuasse como facilitador em conflitos restritos seria considerado por uns como mediador e por outros como conciliador. Essa incompatibilidade é fruto da opção dicotômica, em que se oferecem opções binárias (ou se é um conciliador ou se é um mediador) com base em critérios diferentes.

A – A mediação centrada no acordo

Para tentar superar essa dificuldade, o norte-americano Leonard Riskin propôs a substituição do modelo binário por um modelo graduado e tentou harmonizar os dois critérios, na tentativa de desenvolver uma teoria que englobasse todos os aspectos do problema. Todavia, com esse passo, Riskin não poderia manter a distinção entre mediação e conciliação, pois precisava tratar todas as estratégias possíveis como espécies de um mesmo gênero, tendo ele optado por manter a mediação como gênero e descrever as suas possibilidades de variação.

Para englobar as duas variáveis em um mesmo modelo, Riskin propôs que se construísse um gráfico cartesiano em que um eixo representasse a amplitude dos problemas a serem resolvidos e o outro o nível de intervenção do mediador. A amplitude do problema, que poderíamos designar como amplitude do litígio, varia de questões pontuais (ex: definição de uma indenização), passa por questões mais complexas (ex: interesses comerciais e profissionais dos envolvidos), até atingir as implicações sociais do conflito (ex: interesses comunitários envolvidos). Já o papel do mediador varia de um mero facilitador (que não poderia sequer sugerir propostas de acordo), passaria por uma etapa intermediária (em que ele pode até sugerir propostas, mas não pode oferecer sua visão pessoal), até chegar ao ponto oposto, do mediador avaliativo, que não apenas teria a possibilidade de dar a sua opinião, mas poderia até chegar ao ponto de pressionar as partes a celebrar um acordo, se tivesse meios de pressão para tanto[25]. Entendendo que os eixos se cruzam nos pontos médios entre essas características, o gráfico ficaria dividido em quatro campos, que Riskin identifica como representando as quatro linhas básicas de orientação do mediador:

1. facilitador-restrito, que apenas orienta as partes em questões pontuais, (ex: um conciliador que, mediante perguntas, ajuda as partes envolvidas em uma batida de trânsito a compreenderem adequadamente os argumentos colocados e suas implicações),

2. facilitador-amplo, que orienta as partes em questões mais profundas, mas deve abster-se de qualquer manifestação que implique uma avaliação do problema (ex: um mediador que tenta ajudar Capitu e Bentinho a compreenderem melhor os seus próprios interesses e as implicações futuras da aceitação das propostas que um dirige ao outro),

3. avaliador-restrito, que deve estimular as partes a tomar decisões em questões de baixa complexidade (ex: um conciliador de um juizado especial que diz a um dos envolvidos em uma batida de trânsito que os juízes normalmente decidem casos daquele tipo do modo como a outra parte sugeriu),

4. avaliador-amplo, que poderia chegar ao ponto de pressionar as partes a fecharem um acordo (ex: um juiz que diz a Bentinho que a proposta feita por Capitu é tão boa que dificilmente se encontraria uma saída mais justa).

Com esse modelo, Riskin oferece uma saída abrangente, pois constrói um sistema em que relaciona as variáveis que outras propostas tendem a tratar de forma isolada. Porém, creio essa saída não equaciona devidamente o problema, pois termina-se por substituir os problemas inerentes a dicotomias rígidas pelos problemas de uma falsa gradação. O pressuposto do modelo de Riskin é o de que é possível diferenciar os conflitos a partir de gradações, o que implicaria que a diferença entre eles não reside em critérios qualitativos, mas na quantidade de determinados elementos, quais sejam, a amplitude do problema e a postura avaliativa do mediador. Conseqüentemente, se a diferença é meramente quantitativa, o modelo ergue-se sobre o pressuposto de que os conflitos têm um substrato comum e que o objetivo do mediador é sempre o mesmo, mudando apenas a complexidade do primeiro e a interventividade do segundo.

Esse fato indica que Riskin compartilha do que Warat chama de uma orientação acordista da mediação, que entende o conflito como um problema resolvido pelo acordo e que considera, portanto, que a função única da mediação é construir uma solução consensual para por fim ao conflito[26]. Na base dessa concepção, identifica-se a teoria individualista clássica, que pensa a sociedade como um conjunto de indivíduos que age estrategicamente na busca de satisfazer os seus interesses individuais, motivo pelo qual seria possível diferenciar os conflitos apenas pela amplitude da divergência a ser resolvida. Dentro dessa concepção, para a qual a mediação oferece a oportunidade de proporcionar uma satisfação conjunta a todos os disputantes de um conflito, Riskin desenvolveu um modelo que supera alguns limites das teorias anteriores, mas incide nos próprios limites da visão acordista.

E o principal desses limites é uma indiferenciação ente conflitos ligados a um agir meramente estratégico e conflitos ligados a um agir comprometido, elementos cuja diferença é qualitativa e não quantitativa, o que inviabiliza a sua inclusão em gráficos baseados na variação constante de um elemento comum subjacente a todos os objetos abrangidos pelo sistema. Nessa medida, por mais que devamos reconhecer a engenhosidade do modelo, julgo que o fato de Riskin não reconhecer uma diferença qualitativa entre os conflitos faz com que ele não possibilite enfrentar adequadamente a complexidade da mediação.

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