Pular para o conteúdo

Quando o Direito à Saúde encontra os Limites da Organização Administrativa

Quando o Direito à Saúde – Garantido pela Constituição – Encontra os Limites da Organização Administrativa

Até Onde o Judiciário Pode Intervir?

Introdução

O direito à saúde, consagrado no artigo 6º da Constituição Federal de 1988 como um direito social fundamental, é um dos pilares do Estado Democrático de Direito. No entanto, a efetivação desse direito frequentemente colide com os limites impostos pela organização administrativa e pela gestão pública, especialmente no contexto da saúde pública.

Este artigo analisa os contornos dessa tensão, com foco em um caso recentemente julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que trouxe reflexões relevantes sobre tutela provisória e gestão pública na saúde. Além disso, serão abordados os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema, buscando delimitar até onde o Poder Judiciário pode intervir nessa seara.

O Direito à Saúde na Constituição Federal

A Constituição Federal de 1988 elevou o direito à saúde à categoria de direito fundamental, vinculando-o diretamente à dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III). O artigo 196 da Carta Magna estabelece que a saúde é “direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

No entanto, a concretização desse direito esbarra em desafios estruturais, como a escassez de recursos, a má gestão e a complexidade do sistema de saúde público. Esses fatores frequentemente levam ao acionamento do Poder Judiciário, que é chamado a garantir o acesso a medicamentos, tratamentos e procedimentos médicos, muitas vezes em caráter de urgência.

O Caso Analisado pelo TJSP: Tutela Provisória e Gestão Pública

Um caso recentemente julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) ilustra a complexidade dessa questão. Tratava-se de uma ação em que o autor pleiteava a concessão de um medicamento de alto custo, não disponível no sistema público de saúde.

O juízo de primeira instância concedeu a tutela provisória, determinando que o Estado fornecesse o medicamento. O Estado, por sua vez, alegou que a decisão imporia um ônus financeiro excessivo e desorganizaria a gestão pública, já que o medicamento em questão não estava previsto no protocolo clínico do SUS.

O TJSP, ao analisar o recurso, manteve a decisão de primeira instância, fundamentando-se no princípio da dignidade da pessoa humana e no direito à saúde. No entanto, o tribunal destacou a necessidade de ponderação entre o direito individual e os limites da organização administrativa, ressaltando que a intervenção judicial deve ser pautada pela razoabilidade e pela proporcionalidade.

Doutrina e Jurisprudência: Os Limites da Intervenção Judicial

A doutrina brasileira tem se debruçado sobre o tema, buscando estabelecer critérios para a intervenção judicial na saúde pública. Para José Afonso da Silva, a judicialização da saúde é um fenômeno inevitável em um Estado Democrático de Direito, mas deve ser exercida com cautela, para não comprometer a gestão pública e a alocação equitativa de recursos. Já Luís Roberto Barroso defende que o Judiciário deve atuar como um “guardião dos direitos fundamentais”, intervindo sempre que houver violação grave e imediata de direitos.

A jurisprudência dos tribunais brasileiros tem oscilado entre a garantia irrestrita do direito à saúde e a consideração dos limites administrativos. O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 45, estabeleceu que o direito à saúde não é absoluto e deve ser ponderado em face da reserva do possível. No entanto, o tribunal também ressaltou que o argumento da escassez de recursos não pode ser invocado de forma genérica para negar a prestação de serviços essenciais.

No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem adotado uma postura equilibrada, reconhecendo a necessidade de intervenção judicial em casos de urgência, mas exigindo a comprovação da efetiva necessidade do tratamento ou medicamento pleiteado. No Recurso Especial nº 1.657.156/RS, o STJ destacou que “a judicialização da saúde deve ser pautada pelo princípio da razoabilidade, considerando-se as circunstâncias concretas do caso e os impactos da decisão sobre a gestão pública”.

Conclusão

O direito à saúde, embora fundamental, não é ilimitado.

A intervenção do Poder Judiciário nessa seara deve ser pautada pela ponderação entre o direito individual e os limites da organização administrativa, considerando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. O caso analisado pelo TJSP ilustra a complexidade dessa questão, destacando a necessidade de uma abordagem equilibrada que respeite tanto os direitos fundamentais quanto as restrições impostas pela gestão pública.

A doutrina e a jurisprudência brasileiras têm avançado no sentido de estabelecer critérios claros para a intervenção judicial na saúde, buscando conciliar a garantia do direito à saúde com a sustentabilidade do sistema público. No entanto, é fundamental que o Judiciário atue com cautela, evitando decisões que possam comprometer a gestão equitativa e eficiente dos recursos públicos.

Em última análise, a efetivação do direito à saúde depende não apenas da atuação do Judiciário, mas também de políticas públicas consistentes e de uma gestão administrativa eficiente, capazes de garantir o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde, em consonância com os princípios constitucionais.

Referências

27 Leituras do Artigo, 1 Visitas diárias e 138.888 visita(s) totais.
Páginas: 1 2
Páginas ( 1 de 2 ): 1 2Próxima »

Deixe uma resposta