A seguir, analisaremos os principais pontos dessa decisão, os fundamentos jurídicos apresentados pelo STJ e os possíveis impactos dessa suspensão para o setor de energia renovável no Brasil.
1. O Contexto do Caso: O Que É o Constrained-Off?
No setor de energia elétrica, o termo constrained-off refere-se a situações em que a geração de energia é reduzida ou interrompida por restrições técnicas ou operacionais do sistema de transmissão, mesmo quando a usina geradora esteja apta a produzir. Essa situação pode ocorrer por limitações da rede elétrica, manutenções, ou pela impossibilidade de escoar a energia gerada.
O constrained-off é um evento de restrição de operação que leva a uma redução ou interrupção temporária da geração de energia elétrica de uma usina ou de um conjunto de usinas. Essa restrição é feita por requisição do Operador Nacional do Sistema (ONS) devido a limitações operativas nas redes de transmissão ou por outros requisitos operacionais da rede elétrica
Para minimizar os impactos financeiros dessas interrupções, há previsões normativas que permitem compensações financeiras aos geradores. No entanto, a edição da Resolução Normativa nº 1.030/2022, da Aneel, limitou o ressarcimento ao constrained-off causado por indisponibilidades externas, excluindo os casos em que a interrupção decorre de situações internas ou controláveis pelas próprias usinas geradoras.
2. A Decisão do STJ
A Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) e a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) ajuizaram ações contra a Resolução 1.030/2022, alegando que a limitação do ressarcimento traz prejuízos financeiros aos geradores e compromete a sustentabilidade do setor de energia renovável. Em resposta, o TRF1 concedeu tutela provisória que determinava o ressarcimento integral aos geradores, independentemente da causa da interrupção.
No entanto, a Aneel recorreu ao STJ, solicitando a suspensão das decisões. Ao analisar o caso, o ministro Herman Benjamin acolheu o pedido e decidiu suspender os efeitos das decisões do TRF1 até que as ações sejam julgadas em definitivo.
2.1 Fundamentação da Decisão do STJ
O ministro Herman Benjamin destacou os seguintes pontos em sua decisão:
- Riscos da Transferência de Custos ao Consumidor Final:
O ministro alertou que o ressarcimento integral dos cortes de geração, sem análise mais aprofundada, poderia gerar impactos financeiros diretamente repassados aos consumidores, elevando as tarifas de energia elétrica. - Prudência no Exame das Questões Regulatórias:
O presidente do STJ ressaltou que a matéria exige um estudo mais detalhado sobre a natureza dos riscos inerentes à atividade empresarial no setor de energia e sobre a extensão das responsabilidades dos agentes regulados. - Prevalência do Interesse Público:
Segundo o ministro, o impacto generalizado da decisão sobre o sistema tarifário justifica a suspensão das tutelas provisórias, de forma a resguardar o interesse coletivo até que os processos sejam definitivamente julgados.
A suspensão valerá até o julgamento de eventuais apelações contra as sentenças que forem proferidas nos processos principais.
3. A Resolução Normativa nº 1.030/2022 e a Controvérsia Jurídica
A Resolução Normativa nº 1.030/2022, editada pela Aneel, foi o marco inicial da controvérsia. Essa norma limitou a compensação financeira aos casos de constrained-off em que a interrupção decorre de indisponibilidades externas – ou seja, situações alheias ao controle das usinas, como falhas ou restrições na transmissão de energia.
3.1 Argumentos das Associações de Energia Renovável
As associações ABEEólica e Absolar alegaram que:
- A limitação imposta pela resolução onera desproporcionalmente os geradores, especialmente de fontes renováveis, que dependem de condições específicas de infraestrutura para escoar sua produção.
- A medida desincentiva o investimento no setor de energias limpas, em um momento em que a transição energética e a expansão da matriz renovável são prioridades globais.
- A resolução desrespeita a lógica regulatória anterior, que previa ressarcimento mais amplo para compensar os riscos operacionais das usinas.
3.2 Argumentos da Aneel
A Aneel, por sua vez, sustentou que:
- A restrição prevista pela resolução é necessária para proteger os consumidores de custos excessivos que poderiam ser repassados às tarifas de energia.
- Os riscos inerentes ao empreendimento são parte da atividade econômica das empresas geradoras, não podendo ser transferidos integralmente ao sistema regulatório.
- A norma foi editada dentro da competência legal da Aneel, que possui atribuição para regular o setor elétrico e equilibrar os interesses entre consumidores, geradores e transmissores.
4. Reflexões Doutrinárias
4.1 Maurício Godinho Delgado
Para o jurista Maurício Godinho Delgado, a regulação de setores estratégicos, como o de energia, deve buscar um equilíbrio entre os interesses públicos e privados, garantindo a continuidade do serviço sem prejudicar os incentivos ao investimento:
“A intervenção regulatória no setor energético deve se basear em princípios de razoabilidade e proporcionalidade, equilibrando o interesse público de acesso a tarifas justas com a viabilidade econômica dos empreendimentos regulados.”
— Delgado, Maurício Godinho. Regulação Econômica no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2022.
4.2 Lenio Streck
Lenio Streck aponta que as decisões judiciais que envolvem questões regulatórias complexas devem ser tomadas com cautela, evitando impactos negativos ao sistema regulado:
“A análise de matérias regulatórias exige uma compreensão sistêmica que leve em consideração os impactos das decisões sobre todo o setor, sob pena de gerar insegurança jurídica e desequilíbrios econômicos.”
— Streck, Lenio Luiz. Jurisdição e Regulação. São Paulo: Malheiros, 2021.
5. Impactos da Decisão para o Setor de Energia
5.1 Para os Geradores
A suspensão das decisões do TRF1 representa um revés para os geradores de energia renovável, que contavam com o ressarcimento integral para compensar os prejuízos causados por interrupções. Isso pode:
- Reduzir a rentabilidade dos empreendimentos de energia solar e eólica.
- Desestimular investimentos futuros no setor, especialmente em projetos dependentes de financiamento.
5.2 Para os Consumidores
A decisão do STJ protege os consumidores de um possível reajuste tarifário imediato, evitando que os custos dos ressarcimentos sejam repassados às contas de energia elétrica.
5.3 Para a Regulação do Setor
A medida reforça a autoridade da Aneel na regulação do setor elétrico, mas também evidencia a necessidade de maior diálogo entre os agentes regulados e a agência para construir soluções que atendam às demandas do mercado e à sustentabilidade econômica.
6. Conclusão
A decisão do ministro Herman Benjamin, presidente do STJ, ao suspender as tutelas provisórias que determinavam o ressarcimento integral do constrained-off, reflete uma postura de cautela e proteção ao interesse público. Embora represente um entrave para os geradores de energia renovável, a medida evita impactos tarifários imediatos para os consumidores e abre espaço para uma análise mais aprofundada das questões regulatórias em jogo.