Essa importante decisão aborda não apenas questões de Direito de Família, mas também reflete o compromisso do Brasil com tratados internacionais e com a proteção do melhor interesse da criança.
1. Convenção de Haia sobre Subtração Internacional de Crianças
A Convenção de Haia de 1980 tem como principal objetivo garantir o retorno imediato de crianças transferidas ou retidas ilicitamente em um Estado-membro e assegurar que os direitos de custódia e visitação sejam respeitados internacionalmente.
1.1 Princípios Fundamentais da Convenção:
- Evitar o sequestro internacional de crianças.
- Assegurar o direito de visitação entre pais e filhos.
- Garantir a cooperação entre os Estados para a resolução célere de disputas familiares internacionais.
1.2 Implementação no Brasil:
A Convenção foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto nº 3.413/2000, atribuindo ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), vinculado ao Ministério da Justiça, a responsabilidade de atuar como autoridade central para tratar desses casos.
2. O Caso Analisado pelo STJ
No caso em análise, um pai residente no exterior buscava regulamentar judicialmente seu direito de visitas ao filho que reside no Brasil. A União, representada pela Advocacia-Geral da União (AGU), propôs ação judicial para garantir que esse direito fosse respeitado, com base nos princípios estabelecidos pela Convenção de Haia.
2.1 A Questão Central:
A principal discussão girava em torno da legitimidade ativa da União para propor a ação em nome do pai estrangeiro. A defesa argumentava que caberia apenas ao pai, como interessado direto, ingressar com a ação.
2.2 Entendimento do STJ:
O STJ reconheceu que a União tem legitimidade para propor ações visando a regulamentação de visitas em casos internacionais, com base em três fundamentos principais:
- Compromisso Internacional: O Brasil, ao aderir à Convenção de Haia, assumiu obrigações formais perante a comunidade internacional.
- Função da Autoridade Central: A União, por meio do DRCI, tem o dever de intermediar e garantir que os direitos de visitação sejam respeitados.
- Proteção do Melhor Interesse da Criança: A atuação estatal visa proteger os direitos fundamentais da criança e promover a convivência familiar.
3. Fundamentos Doutrinários Aplicáveis
3.1 Maria Berenice Dias
Para Maria Berenice Dias, especialista em Direito de Família, a atuação estatal nesses casos é essencial, pois muitos pais não possuem condições emocionais ou financeiras para litigar diretamente em outro país.
- Dias, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: RT, 2022.
3.2 Rolf Madaleno
Rolf Madaleno destaca que o melhor interesse da criança deve sempre prevalecer. Segundo ele, a atuação da União como intermediadora assegura que disputas internacionais não prejudiquem a convivência familiar.
- Madaleno, Rolf. Curso de Direito de Família. São Paulo: Forense, 2023.
3.3 Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias
Os autores enfatizam que tratados internacionais, como a Convenção de Haia, possuem força supralegal no Brasil, e suas diretrizes devem ser aplicadas de forma prioritária para garantir a proteção integral das crianças.
- Rosenvald, Nelson; Farias, Cristiano Chaves de. Direito das Famílias. São Paulo: Atlas, 2023.
4. Princípios Jurídicos Envolvidos na Decisão
4.1 Princípio do Melhor Interesse da Criança
Previsto na Constituição Federal (art. 227) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069/90), este princípio orienta todas as decisões judiciais envolvendo menores.
4.2 Princípio da Cooperação Internacional
A cooperação entre os Estados é essencial para garantir a efetividade dos tratados internacionais, especialmente quando há conflitos sobre custódia e direito de visitas.
4.3 Princípio da Proteção Integral
Crianças e adolescentes devem ser tratados como sujeitos de direitos e protegidos em todas as esferas.
5. Implicações Práticas para Advogados
5.1 Atuação em Casos Internacionais:
Advogados que atuam em Direito de Família Internacional devem compreender os mecanismos da Convenção de Haia e as funções da Autoridade Central Brasileira.
5.2 Papel da União:
A decisão do STJ reforça que a União pode intervir judicialmente para assegurar direitos internacionais, evitando que pais estrangeiros fiquem desassistidos em disputas transnacionais.
5.3 Resolução de Conflitos:
A mediação e a conciliação devem ser incentivadas antes do litígio, com o objetivo de priorizar o bem-estar da criança.
6. Conclusão
A decisão do STJ de reconhecer a legitimidade da União para ajuizar ações relacionadas à regulamentação de visitas de pais estrangeiros a filhos no Brasil reflete o compromisso do Brasil com a Convenção de Haia e com os princípios do Direito Internacional e do Direito de Família.